CURRÍCULO E SUAS DEFINIÇÕES
O debate sobre Currículo e sua conceituação é necessário para que saibamos defini-lo e para conhecer quais as teorias que o sustentam na educação. Um Currículo não é um conjunto de conteúdos dispostos em um sumário ou índice. Pelo contrário, a construção de um Currículo demanda:
a) uma ou mais teorias acerca do conhecimento escolar;
b) a compreensão de que o Currículo é produto de um processo de conflitos culturais dos diferentes grupos de educadores que o elaboram; c) conhecer os processos de escolha de um conteúdo e não de outro (disputa de poder pelos grupos) (LOPES, 2006).
Para iniciar o debate vamos apresentar algumas definições de currículo para compreender as teorias que circulam entre nós, educadores. De acordo com Lopes (2006, contra capa):
[...] o currículo se tece em cada escola com a carga de seus participantes, que trazem para cada ação pedagógica de sua cultura e de sua memória de outras escolas e de outros cotidianos nos quais vive. É nessa grande rede cotidiana, formada de múltiplas redes de subjetividade, que cada um de nós traçamos nossas histórias de aluno/aluna e de professor/professora. O grande tapete que é o currículo de cada escola, também sabemos todos, nos enreda com os outros formando tramas diferentes e mais belas ou menos belas, de acordo com as relações culturais que mantemos e do tipo de memória que nós temos de escola [...] .
Essa concepção converge com a de Tomaz Tadeu da Silva (2005, p.15) “o currículo é sempre resultado de uma seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona-se aquela parte que vai constituir precisamente o currículo”.
As definições de currículo de Lopes (2006) e Silva (2005) são aquelas de Sacristán (apud SEED, 2003, p.15):
[...] conjunto de conhecimentos ou matérias a serem superadas pelo aluno dentro de um ciclo-nível educativo ou modalidade de ensino; o currículo como experiência recriada nos alunos por meio da qual podem desenvolver-se; o currículo como tarefa e habilidade a serem dominadas; o currículo como programa que proporciona conteúdos e valores para que os alunos melhorem a sociedade em relação à reconstrução da mesma [...]
Lopes (2006), Silva (2005) e Sacristán (2000) afirmam que o Currículo não é uma listagem de conteúdos. O currículo é processo constituído por um encontro cultural, saberes, conhecimentos escolares na prática da sala de
aula, locais de interação professor e aluno.
Essas reflexões devem orientar a ação dos profissionais da educação quanto ao Currículo, além de estimular o valor formativo do conhecimento pedagógico para os professores, o que realmente nos importa como docentes. Conhecer as teorias sobre o Currículo nos leva a refletir sobre para que serve, a quem serve e que política pedagógica elabora o Currículo .
TEORIAS DO CURRÍCULO
Para Silva (2005) é importante entender o significado de teoria como discurso ou texto político. Uma proposta curricular é um texto ou discurso político sobre o currículo porque tem intenções estabelecidas por um determinado grupo social. De acordo com esse autor, uma Teoria do Currículo ou um discurso sobre o Currículo, mesmo que pretenda apenas descrevê-lo tal como é, o que efetivamente faz é produzir uma noção de currículo. Como sabemos as chamadas “teorias do currículo”, assim como as teorias educacionais mais amplas, estão recheadas de afirmações sobre como as coisas devem ser (SILVA, 2005, p.13).
É preciso entender o que as teorias do currículo produzem nas propostas curriculares e como interferem em nossa prática. Uma teoria define- se pelos conceitos que utiliza para conceber a realidade. Os conceitos de uma teoria dirigem nossa atenção para certas coisas que sem elas não veríamos. Os conceitos de uma teoria organizam e estruturam nossa forma de ver a realidade (SILVA, 2005, p.17). Segundo este autor, as principais Teorias de Currículo são:
Teorias Tradicionais: (enfatizam) ensino - aprendizagem-avaliação – metodologia- didática-organização – planejamento- eficiência- objetivos.
Teorias Críticas: (enfatizam) ideologia- reprodução cultural e socialpoder- classe social- capitalismo- relações sociais de produção/conscientização- emancipação- currículo oculto- resistência.
Teorias Pós-Críticas: (enfatizam) identidade- alteridade- diferença/subjetividade- significação e discurso- saber e poder- representaçãocultura- gênero- raça- etnia- sexualidade- multiculturalismo.
As teorias tradicionais consideram–se neutras, científicas e desinteressadas, as críticas argumentam que não existem teorias neutras, científicas e desinteressadas, toda e qualquer teoria está implicada em relações de poder.
As pós-críticas começam a se destacar no cenário nacional, os currículos existentes abordam poucas questões que as representam. Encontramos estas que dimensões nos PCNS, temas transversais (ética, saúde, orientação sexual, meio ambiente, trabalho, consumo e pluralidade cultural) e em algumas produções literárias no campo do multiculturalismo.
O que é essencial para qualquer teoria é saber qual conhecimento deve ser ensinado e justificar o por quê desses conhecimentos e não outros devem ser ensinados, de acordo com os conceitos que enfatizam.
Quantas vezes em nosso cotidiano escolar paramos para refletir sobre
Teorias do currículo e o Currículo? Quando organizamos um planejamento bimestral, anual pensamos sobre aquela distribuição de conteúdos de forma crítica? Discute-se que determinado conteúdo é importante porque é fundamento para a compreensão daquele que o sucederá no bimestre posterior ou no ano que vem. Alegamos que se o aluno não tiver acesso a determinado conteúdo não conseguirá entender o seguinte. Somos capazes de perceber em nossas atitudes (na prática docente), na forma como abordamos os conteúdos selecionados, um posicionamento tradicional ou crítico? E por que adotamos tal atitude?
Precisamos entender os vínculos entre o currículo e a sociedade, e saber como os professores/as, a escola, o currículo e os materiais didáticos tenderão a reproduzir a cultura hegemônica e favorecer mais uns do que outros. Também é certo que essa função pode ser aceita com passividade ou pode aproveitar espaços relativos de autonomia, que sempre existem, para exercer a contra-hegemonia, como afirma Apple (apud SACRISTÁN, 2000, p.157). Essa autonomia pode se refletir nos conteúdos selecionados, mas principalmente se define na forma como os conteúdos são abordados no ensino. A forma como trabalhamos os conteúdos em sala de aula indica nosso
entendimento dos conhecimentos escolares. Demonstra nossa autonomia diante da escolha. SARUP (apud SACRISTÁN, 2000, p. 157) distingue a perspectiva crítica da tradicional da seguinte forma:
A finalidade do currículo crítico é o inverso do currículo tradicional; este último tende a “naturalizar” os acontecimentos; aquele tenta obrigar os alunos /a a que questione as atitudes e comportamentos que considera “naturais “.
O currículo crítico oferece uma visão da realidade como processo mutante contínuo, cujos agentes são os seres humanos , os quais , portanto, estão em condições de realizar sua transformação . A função do currículo não é “refletir“ uma realidade fixa, mas pensar sobre a realidade social ; é demonstrar que o conhecimento e os fatos sociais são produtos históricos e, consequentemente, que poderiam ter sido diferentes (e que ainda podem sê-lo).
É por isso que Albuquerque /Kunzle (2006, p. 102) perguntam:
Quando pensamos o currículo tomamos a idéia de caminho: que caminho vamos percorrer ao longo deste tempo escolar? Que seleções vamos fazer? Que seleções temos feito? E mais: em que medida nós, professoras/es e pedagogas/os interferimos nesta seleção?Qual é o conhecimento com que a escola deve trabalhar? Quando escolhemos um livro didático, ele traz desenhado o currículo oficial: o saber legitimado, o saber reconhecido que deve ser passado ás novas gerações. Porque isso é que o currículo faz: uma
seleção dentro da cultura daquilo que se considera relevante que as novas gerações aprendam.
Esses questionamentos dizem respeito aos conteúdos escolares. Na escola aprendemos a fazer listagens de conteúdos e julgamos que eles vão explicar o mundo para os alunos. No entanto, não estamos conseguindo articular esses conteúdos com a vida dos nossos alunos. Ultimamente utilizamos de temas transversais, projetos especiais e há até sugestões de criar novas disciplinas, como direito do consumidor, educação fiscal, ecologia, para dar conta desta realidade imediata. Temos dificuldades de assumirmos estas discussões curriculares devido a uma tradição que designava a outros seguimentos da educação as decisões pedagógicas ou pela falta de tempo, devido as condições do trabalho docente ou pela falta de conhecimento das propostas políticas-pedagógicas implantadas pelo Governo.
Todavia, diante do desafio de ser professor, cabe-nos entender quais os saberes socialmente relevantes, quais os critérios de hierarquização entre esses saberes/disciplinas, as concepções de educação, de sociedade, de homem que sustentam as propostas curriculares implantadas. Quem são os sujeitos que poderão definir e organizar o currículo? E quais os pressupostos que defendemos?
O estudo das teorias do currículo não é a garantia de se encontrar as respostas a todos os nossos questionamentos, é uma forma de recuperarmos as discussões curriculares no ambiente escolar e conhecer os diferentes discursos pedagógicos que orientam as decisões em torno dos conteúdos até a “racionalização dos meios para obtê-los e comprovar seu sucesso” (SACRISTÁN, 2000, p.125).
Para nós, professores, os estudos sobre as teorias do poderão responder aos questionamentos da comunidade escolar como: a valorização dos professoras/es, o baixo rendimento escolar, dificuldades de aprendizagem,
desinteresse, indisciplina e outras dimensões. Poderão, sobretudo, mostrar que os Currículos não são neutros. Eles são elaborados com orientações políticas e pedagógicas. Ou seja, é produto de grupos sociais que disputam o poder.
As reformulações curriculares atuais promovem discussões entre posições diferentes, há os que defendem os currículos por competências, os científicos, os que enfatizam a cultura, a diversidade, os mais críticos à ciência moderna, enfim, teorias tradicionais, críticas e pós-críticas disputam esse espaço cheio de conflitos, Como afirma Silva (2005, p.148), “o Currículo é um território político contestado”.
Diante desse complexo mundo educacional de tendências, teorias,
ideologias e práticas diversas, cabe-nos estudar para conhecê-las, podendo
assim assumir uma conduta crítica na ação docente.
William Pinar (apud LOPES, 2006, p. 14), estudioso do campo do currículo, afirma:
[...] estudar teoria de currículo, é importante na medida em que oferece aos professores de escolas públicas, a compreensão dos diversos mundos em que habitamos e, especialmente a retórica política que cerca as propostas educacionais e os conteúdos curriculares. Os professores de escolas (norte-americanas) têm dificuldades em resistir a modismos educacionais passageiros, porque, em parte não lembram das teorias e da história do currículo, porque muito frequentemente não as estudaram [...]
Essa também é a realidade brasileira. Precisamos estudar nossas propostas curriculares, bem como as teorias do currículo e tendências pedagógicas para que possamos entender nossa prática e suas conseqüências aos alunos e docentes. Acerca disso, Eisner (apud SACRISTÁN, 2000, p. 123), pontua que
[...] que o ensino é o conjunto de atividades que transformam o currículo na prática para produzir a aprendizagem, é uma característica marcante do pensamento curricular atual, interar o plano curricular a prática de ensiná-lo não apenas o torna realidade em termos de aprendizagem, mas que na própria atividade podem se modificar as primeiras intenções e surgir novos fins [...]
A sala de aula é o espaço onde se concretiza o currículo e deve acontecer o processo ensino-aprendizagem. Este processo acontece não só por meio da transferência de conteúdos, mas, também pela influência das diversas relações e interações desse espaço escolar, na sala de aula e na relação professor-aluno.
Concordamos que o eixo central do Currículo é diversos conhecimentos. Para defini-lo se faz necessário discutir a serviço de quem a escola está. Defendemos que o trabalho escolar defina seu Currículo a partir da cultura do aluno, respeitando-a, mas sem perder a ênfase no conhecimento clássico das disciplinas que compõem a grade curricular. Alguns autores afirmam que o ponto de partida é o aluno concreto. Outros questionam o que sabemos sobre esse aluno concreto, se realmente partimos dele. E ao questionarem afirmam que “a cultura popular é, assim, um conhecimento que deve, legitimamente, fazer parte do Currículo, pois toda cultura é fruto do trabalho humano” (ALBUQUERQUE/KUENSLE, 2006, p. 102).
O conhecimento científico é o que dá as explicações mais objetivas para a realidade e este é o objetivo principal da escola. No entanto, é preciso questionar, o que determina a legitimidade de um conhecimento.
CONCLUSÃO
Como afirma Saviani (apud SEED, 2006, p 29)
[...] o fundamental hoje no Brasil é garantir uma escola elementar que possibilite o acesso à cultura letrada para o conjunto da população. Logo, é importante envidar todos os esforços para a alfabetização, o domínio da língua vernácula, o mundo dos cálculos, os instrumentos de explicação científica estejam disponíveis para todos indistintamente. Portanto, aquele currículo básico da escola elementar (Português, Aritmética, História, Geografia e Ciências) é uma coisa que temos que recuperar e colocar como centro das nossas escolas, de modo a garantir, que todas as crianças assimilem esses elementos, pois sem isso elas não se converterão em cidadãos com possibilidades de participar dos destinos do país e interferir nas decisões e expressar seus interesses, seus pontos de vista [...]
É urgente repensar a escola e seu currículo e garantir uma educação de qualidade para nossos alunos. Julgamos oportunos nossos estudos sobre o Currículo. Desse modo, com este objetivo ao discutirmos o Currículo e sua formulação nos deparamos com muitas dimensões para serem discutidas na escola sobre o ensino (o que, por que, para quem, como). É importante saber que, quando adotamos um posicionamento pedagógico, que está vinculado a uma teoria, a uma tendência pedagógica, esta determina nossas concepções de homem, de sociedade, de escola, de currículo e estes determinam nossa prática. Não há como negar esta dimensão, pois nenhuma prática pedagógica é neutra.
Sentimos a necessidade de propormos estas reflexões, como forma de promover maior entendimento da realidade educacional na qual estamos inseridos. Quem sabe poderemos encontrar algumas respostas e soluções aos problemas enfrentados hoje pelos professoras/es, dentre eles os relacionados ao desinteresse dos alunos, baixo rendimento e indisciplina.
Com certeza não encontraremos todas as soluções, mas as reflexões nos orientarão para o melhor caminho a seguir dentro da escola, e, com a certeza de que o caminho escolhido foi o pensado no coletivo da escola e tido como a melhor opção no momento. Sabemos, também, que as reflexões acerca do ambiente escolar devem ser constantes, pois não existem situações definitivas, há um momento histórico que precisa ser compreendido e explicado e se necessário transformado.
Para finalizar este texto é interessante ressaltar neste momento para o que aponta Sacristán (2000)
[...] o conhecimento científico e as teorias pedagógicas são importantes para conhecer melhor, ser conscientes das conseqüências e entrever com mais clareza caminhos alternativos, mas por si só não orientam diretamente a prática docente. O profissional da educação responde pessoalmente na medida de suas possibilidades e de acordo com seu compromisso ético profissional [...]
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Janeslei A; KUNZLE, Maria Rosa. O currículo e sua dimensões, multirracial e multicultural. In: Caderno Pedagógico nº 4, APP-SINDICATO 60 ANOS. 2007.
PARANÁ. Diretrizes curriculares para o ensino fundamental da rede estadual. Versão preliminar. Curitiba: SEED, 2003-2006.
LOPES, Alice C. Pensamento e política curricular – entrevista com William Pinar. In: Políticas de currículo em múltiplos contextos. São Paulo: Cortez, 2006.
SACRISTÁN J. G.; PÉREZ GÓMEZ A. I. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre: ArtMed, 2000.
SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
PARA SABER MAIS:
MOREIRA, Antonio F.; SILVA Tomaz Tadeu (org.). Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Ed. Cortez, 1999.
MOREIRA, Antonio F.(org.). Currículo: política e práticas. Campinas: Papirus,1999.
GARCIA, Regina L;MOREIRA Antonio F.(org.) Currículo na contemporaneidade: incertezas e desafios. S. Paulo: Cortez, 2006.
FONTE: Este texto foi adaptado por Eleusa Maria Leão a partir do texto original do site : http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/261-2.pdf
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